Capítulo 02: O Calor no Japão
O lugar onde cheguei ao usar minha habilidade de Viagem Intermundial era uma vila encravada nas montanhas da província de Gifu.
Até onde a vista alcançava, havia arrozais cercados por montes verdes. O transporte público consistia apenas em um ônibus que vinha da cidade vizinha algumas vezes por dia. Fora isso, só de vez em quando passava um caminhão pequeno, o que fazia parecer que o mundo medieval de Asfial — de onde eu viera — era até mais desenvolvido.
Havia bancas de beira de estrada sem atendente e máquinas de venda automática surpreendentemente bem abastecidas para um vilarejo tão pequeno — cenas típicas do interior japonês.
Além disso, existia uma lojinha que vendia revistas semanais com quinze dias de atraso e uma quadra de gateball absurdamente bem equipada. A loja de conveniência mais próxima ficava a quase dez quilômetros do Portão da Lua.
A paisagem da vila parecia saída de um jogo que eu costumava jogar em minha vida anterior: um campo bucólico e pacífico.
Pensando bem, tive sorte de não ter aparecido em uma cidade grande, cheia de gente e movimento.
O motivo estava na minha aparência atual.
Minhas roupas ainda eram as de um cidadão comum de Asfial. No mundo moderno, eu parecia um estrangeiro estranho — roupas rústicas, corpo alto e musculoso —, o tipo de pessoa que poderia facilmente ser denunciada por aparência suspeita.
Apesar disso, os moradores da vila me receberam com simpatia e me deram roupas de segunda mão. Agora eu parecia apenas um estrangeiro malvestido, mas inofensivo.
Ainda assim, sem documento ou qualquer forma de identificação, eu era essencialmente um imigrante ilegal — e teria que correr se algum policial me parasse.
— Allen-kun, você trabalha duro, hein.
— Ah, não é nada disso.
Enquanto arrancava ervas daninhas no quintal sob o sol escaldante, uma senhora chamada Taeko — que conheci através de um senhor idoso — me observava, sentada na varanda com uma xícara de chá.
O velho se chamava Genji. Era uma figura respeitada na vila: dono de muitas das montanhas que cercavam o lugar, conhecido como Vila Akane, um recanto quase esquecido pelo mundo moderno.
Por indicação dele, eu fazia de tudo um pouco: ajudava na lavoura, fazia compras, conversava com os mais velhos, limpava os quintais.
O pagamento era modesto, mas em troca recebia doces, roupas e legumes frescos.
— Allen-boy, quer levar uns vegetais? Colhemos umas berinjelas agora há pouco...
— Sério? Eu adoraria.
Na Terra, o verão estava só começando. Diferente de Asfial, o calor do Japão era úmido e sufocante. Mesmo acostumado a condições severas, eu o achava insuportável.
Diziam que aquele ano era “fresco”, o que era assustador de pensar. Felizmente, a Vila Akane ficava em altitude alta e o clima era mais ameno — ainda quente, mas suportável.
— Minha neta mora em Tóquio, sabe? Liguei pra ela esses dias e ela só fazia reclamar do calor — comentou Taeko, rindo.
Depois de terminar o serviço, ela me deixou usar o banho da casa. Refresquei o corpo com água morna e, ao sair, Taeko trouxe um prato de sōmen gelado, os fios finos e brancos servidos com um caldo leve.
Enquanto eu comia, o som de um furin — um pequeno sino de vento pendurado na varanda — ecoava, trazendo a sensação do verão japonês.
— Tóquio deve estar um forno nessa época do ano — comentei, saboreando o macarrão frio.
— Mesmo quando morava aqui, ela já vivia reclamando do calor. Cidade grande deve ser difícil. Disse que vai vir pra casa nas férias, porque não aguenta mais.
A neta de Taeko, chamada Arika, havia se formado num colégio perto da vila e, depois, se mudado para Tóquio para cursar a universidade.
Pelo que Taeko contava, Arika sonhava em viver na cidade grande. No começo, parecia feliz com as facilidades da vida urbana, mas assim que acabou a estação chuvosa, começou a reclamar do calor — especialmente em julho, quando o verão chegava com força.
— Que bom. Vai poder rever sua neta depois de tanto tempo.
— Pois é. Arika é boa de cozinha e muito inteligente, diferente de mim e do meu marido… Mas continua solteira e só pensa nos hobbies dela.
— Entendo...
Eu ainda não tinha entrado no quarto de Arika, mas a casa de Taeko deixava algumas pistas.
Entre as tábuas antigas e móveis de madeira, havia pôsteres discretos e bonequinhos que denunciavam gostos otaku. Na porta de um dos quartos, um adesivo mostrava um garoto de anime em estilo chibi, com olhos grandes e expressão fofa.
— Quem sabe você e Arika não combinam? Ela é meio obcecada pelos passatempos dela, mas foi bem popular na escola.
— Isso seria um incômodo pra ela.
— Será? Acho que ficaria feliz. Você até se parece com o personagem favorito dela.
"..."
Personagem favorito…
As palavras de Taeko me deixaram um tanto apreensivo em relação à sua neta, Arika.
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