Capítulo 01 :: Nadai Tsuji Soba
Lyle Messer era o quinto filho de uma família de viscondes do Reino Catedral. Como não tinha nenhuma chance de herdar o título, deixou o lar ao atingir a maioridade e tornou-se um explorador de masmorras.
Arriscar a vida adentrando os labirintos conhecidos como “masmorras”, caçar os monstros que lá habitam e coletar seus tesouros e materiais essa era a essência do trabalho de um explorador.
Embora fosse o caçula de cinco irmãos, Lyle ainda era de nascimento nobre. Tinha aprendido esgrima, um costume entre aristocratas, o que facilitou seu ingresso na profissão em comparação a plebeus sem qualquer preparo. É claro que isso se refere apenas às dificuldades de tornar-se explorador continuar sendo um era uma provação completamente distinta.
As masmorras eram, em sua maioria, estruturas subterrâneas de múltiplos andares. Quanto mais fundo se descia, mais fortes se tornavam os monstros e mais letais, as armadilhas. Às vezes era preciso permanecer lá por dez dias seguidos, e nem sempre o risco valia a recompensa: podia-se sair ferido, perder companheiros… ou morrer.
Ainda assim, cinco anos haviam se passado desde que Lyle se tornara explorador, e por sorte ou talvez pura teimosia ele ainda vivia.
Após uma longa expedição, Lyle retornou à velha capital, onde ficava a sede do Sindicato dos Exploradores. Lá, ele e seu grupo encerraram a contabilidade dos ganhos e se despediram temporariamente. Voltariam a se reunir no dia seguinte para discutir o próximo destino, mas, até lá, estavam livres.
Sempre que voltava de uma incursão, Lyle tinha uma regra: comer até se fartar num bom restaurante. Dentro das masmorras, a dieta era basicamente carne seca e pão duro comida feita para durar, não para agradar. Depois de tantos dias assim, era natural que o corpo e a alma ansiassem por sabor. Mesmo o estômago cheio não bastava se o paladar permanecia vazio.
Dessa vez, o bolso estava generoso. Hoje, pelo menos, ele comeria e beberia até não aguentar mais. Mas onde? No bar do ótimo hidromel? Ou na taverna dos espetinhos grelhados?
Enquanto ponderava, uma voz o chamou pelas costas.
— Lyle! Vai comer agora também?
Virando-se, ele viu o líder de seu grupo Rock Dilfam, um grandalhão especialista em escudo pesado.
— Líder? Achei que já tivesse ido pra casa.
Rock, dois anos mais velho, era a quem Lyle devia respeito. Também de origem nobre, fora ele quem acolhera Lyle quando este ainda trabalhava sozinho.
Sorrindo de leve, Rock balançou a cabeça.
— Que nada. Tô indo comer agora. Pensei em jantar direto.
Normalmente, ele voltava para casa logo após a dispersão. Casado há apenas dois anos, recusava convites para beber com os companheiros, dizendo sempre que sua esposa o esperava em casa.
— E sua mulher? — Lyle questionou, surpreso. — Ela não tá te esperando?
Rock ergueu uma mão, interrompendo.
— Tá na casa dos pais. Voltou pra lá pra ter o bebê. É nosso primeiro filho, sabe como é quis a ajuda da mãe.
— Ah… entendo. Me assustou por um momento.
Lyle se lembrou vagamente de que a esposa de Rock era natural da capital. Fazia sentido que ela preferisse dar à luz junto à família, em vez de correr o risco de entrar em trabalho de parto sozinha enquanto o marido explorava uma masmorra.
— Enfim — disse Rock, com um sorriso, já que tô sozinho hoje, bora comer juntos. Eu pago.
— Se é por conta da casa, então eu topo. Mas escolhe um lugar decente, hein? Quero comer coisa boa, não importa o preço.
Rock ergueu o polegar, confiante.
— Pode deixar. Tô pensando em ir no Tsuji Soba.
— Tsuji Soba? Nunca ouvi falar.
— Quê? Mora na velha capital e não conhece Tsuji Soba? Tô decepcionado contigo.
Lyle resmungou, meio irritado.
— Não sou daqui de nascença, sabe. Passei mais tempo dentro de masmorras do que nas ruas.
Rock deu uma gargalhada.
— O nome completo é Nadai Tsuji Soba. Comida boa, barata, e bebida melhor ainda. Só não tem muita variedade.
Lyle arqueou a sobrancelha, cético.
— Um lugar desses existindo… e nunca ouvi falar?
— É um segredo bem guardado, rapaz. Vem comigo.
Sem dar mais explicações, Rock marchou em frente, e Lyle correu atrás.
Eles caminharam até as imediações do castelo ducal o antigo palácio real. Lyle, desconfiado, perguntou:
— Ei, líder, não me diga que vai tentar comer dentro do castelo? Não vão nos deixar entrar!
Rock riu pelo nariz.
— Claro que não. Só vem.
Seguiram pelo muro do castelo até que Rock parou diante de algo… impossível.
— Chegamos.
Lyle ficou boquiaberto.
Diante deles, uma construção de dois andares parecia fundir-se à muralha quase como se tivesse brotado dela. A fachada era toda de vidro impecável e paredes brancas lisas, tão perfeitas que nenhum pedreiro do reino seria capaz de reproduzir. A loja brilhava com uma luz constante, clara como o dia, e em frente havia uma vitrine exibindo pratos de aparência exótica.
Era algo completamente fora deste mundo.
— Líder… o que é isso?
— O Nadai Tsuji Soba. Dizem que o dono ergueu o prédio com um “Dom” dado pelos deuses. Um dia não tinha nada aqui, e no outro o restaurante apareceu.
Um Dom divino… um milagre. Mas um dom capaz de construir uma loja? Isso ultrapassava qualquer noção que Lyle tivesse de poder.
— E o que servem aqui? — perguntou ele, ainda atônito.
— Soba.
— Soba…?
— É. Tem outros pratos também, mas o principal é o soba.
Lyle franziu o cenho.
— E o que é soba, exatamente?
Rock sorriu de modo misterioso.
— Vai ter que provar pra entender.
A porta de vidro se abriu sozinha assim que se aproximaram.
— Uooh! — Lyle deu um salto.
Mesmo o restaurante mais caro da capital não possuía encantamentos automáticos como aquele.
— Hahaha… — Rock riu do susto dele, e entraram.
— Bem-vindos! — saudou uma jovem atendente, de sorriso radiante.
Rock a cumprimentou com familiaridade.
— Yo, Luteria! Hoje somos dois.
— Ah, Rock! E este é…?
— Lyle. Companheiro de grupo.
— Muito prazer! — disse ela, curvando-se com graça.
Lyle, solteiro e inexperiente, corou feito um adolescente.
Rock pediu sem sequer olhar o cardápio:
— Dois sobas com croquete e duas cervejas.
Logo, as bebidas chegaram copos de vidro cristalino, cheios de líquido dourado e espumante.
— Tão frias! — exclamou Lyle, segurando o copo.
— Pois é. Dizem que gelam a bebida com alguma ferramenta mágica.
Lyle deu o primeiro gole… e o mundo parou.
O sabor era puro, fresco, cheio de corpo e amargor perfeito. Nenhuma cerveja nobre, nem o vinho real, se comparava àquilo.
— Delicioso! — gritou ele.
Rock riu satisfeito.
Logo chegou o prato principal: coroquete soba.
Um caldo transparente e dourado, com fios acinzentados de massa o “soba” e, no centro, um croquete dourado ainda chiando no óleo.
Lyle provou o caldo primeiro. Era suave, rico, com um leve sabor marinho e um toque adocicado.
— Divino… — murmurou.
Então provou o macarrão. A textura era firme, elástica, e o sabor, terroso e reconfortante.
Por fim, o croquete. Crocante por fora, cremoso por dentro, quente e macio como um abraço.
— Como é possível batata ser tão boa assim!? — exclamou.
Rock sorriu.
— Experimenta agora o croquete e o caldo juntos. Vai te fazer voar.
Lyle seguiu o conselho. E, no instante em que o sabor do caldo se fundiu ao do croquete, seus olhos se arregalaram.
— É uma sinfonia! Um casamento perfeito!
Rock riu alto.
— Eu te disse. Por isso amo esse prato.
Eles comeram e beberam como dois garotos famintos, pedindo repetição após repetição, mergulhados na felicidade simples que só uma boa refeição pode trazer.
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