Capítulo 01: Sentença de Morte?
Diante de Sua Majestade, o Rei, eu havia vomitado tudo o que tinha no estômago sem deixar sobras.
Agora, apoiado pelos ombros de dois soldados, eu era escoltado para fora do salão.
Não lembro de nada do caminho que percorremos até aqui.
A única sensação nítida era o toque frio e metálico da armadura roçando minha bochecha.
Aquilo, curiosamente, era até reconfortante.
Quando dei por mim, estava deitado em uma espécie de quarto de hóspedes dentro do castelo real.
Virei o rosto ainda deitado e vi, sobre a mesa ao lado da cama, um pequeno sino dourado e um copo de água.
Sentei-me, tomei um gole e deixei o líquido escorrer pela garganta até o estômago.
— Ufa...
Aquela bela mulher de uniforme de empregada havia dito antes:
“Se precisar de algo, por favor toque o sino. Irei imediatamente.”
Mesmo meio grogue, eu lembrava cada palavra da voz suave dela.
Os guardas, por outro lado, disseram algo como “Descanse bem”... mas isso já se perdeu na névoa da lembrança.
Abri o menu.
Chamava aquilo de menu, mas já não tinha certeza se esse nome ainda fazia sentido.
Havia pouquíssimas opções: apenas Status, Inventário e um simples relógio.
— Ainda não tem o botão de logout... Então é isso mesmo reencarnei dentro do jogo.
Que droga.
Logo após escolher “renascer”, aparecia uma mensagem dizendo que não seria possível retornar ao mundo original.
Ou seja, provavelmente eu nunca mais pisaria na Terra.
— Droga! Eu ainda tinha tanta coisa...
...Tanta coisa inacabada, tantos arrependimentos...?
— Espera aí... Eu fugi da realidade pra me afundar em jogos, não foi?
Sem pais, sem irmãos, sem esposa.
Nem sequer uma namorada.
Os amigos que eu tinha existiam apenas dentro do jogo nunca os conheci pessoalmente.
Pensando bem... vir parar no mundo para o qual eu sempre escapava pode até ser uma benção, não?
Comecei a listar mentalmente os prós e contras.
Não que isso fosse mudar minha situação, mas ajudava a manter a calma.
— É, quanto mais penso nisso, mais parece algo bom.
Meu nível e meus itens desapareceram, mas tanto faz.
O único problema real era o fato de eu estar dormindo dentro do equivalente local do Palácio Imperial.
Como foi que cheguei a esse ponto?
— Então quer dizer que eu vomitei na frente do Imperador ou do Primeiro-Ministro...
A náusea voltou só de pensar.
Era uma situação pesada demais para um ex-NEET aguentar.
Tentei afogar a ansiedade bebendo o resto da água de um gole só.
Para me distrair, abri o Status.
☆ Status ☆
Nome: S.R.
Idade: 18
Profissão: Não selecionada
Nível: 1
Habilidades: —
— Então os atributos como força física e ataque desapareceram, hein.
Eu lembrava bem das taxas de crescimento por nível, então estava tranquilo quanto a isso.
Mas ainda assim...
— Faz dez anos que não vejo a profissão “não selecionada”...
Naquela época, eu ainda era um novato em combate contra monstros e morria toda hora até em masmorras de rank E.
Bons tempos...
Meu nome continua sendo “S.R.” igual ao do jogo.
E agora havia um campo novo: Idade.
Parece que voltei a ter 18 anos... ótimo! Melhor notícia do dia.
Enquanto observava o painel e tentava me acalmar, alguém bateu suavemente à porta.
Meu corpo reagiu com um sobressalto.
Coloquei os pés no chão, endireitei a postura e respondi, num tom nervoso:
— Po-pode entrar!
— Com licença. Como está se sentindo, herói?
A porta se abriu com elegância.
Era a bela empregada de antes, a mesma do uniforme preto e branco igual às maid cafés do Japão.
Tinha cabelos negros cortados em bob e parecia ter uns vinte e poucos anos.
...Mas espera aí. “Herói”?
— Agradeço a preocupação, já me sinto melhor. Mas... o que quer dizer com ‘herói’?
— Ora, vossa senhoria é o Herói, claro.
Se esse título lhe desagrada, posso chamá-lo pelo nome, se preferir?
— Por favor. É S.R. E, só pra constar, eu não sou herói nenhum.
Ela levou uma das mãos à boca e soltou uma risadinha encantadora. Quase me apaixonei.
— Chamo-me Silly. E Vossa Senhoria é engraçado, S.R.-sama.
— Não é brincadeira, eu juro...
Cocei a bochecha, sem jeito.
— Se olhar seu status, verá que a profissão “Herói” está escrita lá. Essa é a prova.
Ela dizia isso com total confiança.
Melhor mostrar de uma vez.
— Quer ver por si mesma?
— Posso?
— Claro. Não vai te fazer mal nenhum.
Abri o painel, e ela se aproximou sorrindo, inclinando-se para espiar.
A distância entre nós diminuiu perigosamente.
Um perfume doce invadiu o ar e eu, instintivamente, endireitei as costas.
— Eh...?
O sorriso dela congelou.
A cor sumiu de seu rosto.
— N-não pode ser... Profissão... não selecionada...?
— Pois é, eu disse que não era... “Mil desculpas! Com licença!” — tentou dizer, mas já saía correndo, quase tropeçando.
A porta se fechou com um baque, e os passos dela ecoaram apressados pelo corredor.
Fiquei ali, sozinho.
— Então... acham que eu sou um herói?
Não, não, estão enganados.
Sou só um ex-NEET.
No máximo, no meu mundo me chamariam de “mago” sabe como é, virgem aos trinta, mas herói? Nem pensar.
— Isso... é ruim, né?
Lembrei-me de já ter lido uma light novel com um começo parecido.
O protagonista era invocado para outro mundo, mas por algum mal-entendido acabava sendo considerado inútil e expulso do país... ou fugia e virava um proscrito.
Só que aquele cara tinha um poder oculto, um presente divino absurdo.
Usava isso pra se vingar e dar a famosa “reviravolta”.
Mas eu?
Nem passei pelo “departamento de reencarnações divinas”!
Não recebi poder algum, nem bênção de deus nenhum!
— Tá, no jogo eu era forte... mas...
Abri e fechei as mãos.
O toque era real.
Se eu me ferisse aqui, doeria de verdade.
Empunhar uma espada ou lutar contra monstros seria completamente diferente.
Mesmo que o jogo fosse realista, isso aqui era outro nível de realidade.
— Bom... pensar demais não adianta. Não vão me matar de cara... espero.
Não soava muito convincente, mesmo pra mim.
...
...
...
Demorando assim...?
Já se passaram mais de trinta minutos desde que a empregada saiu correndo.
Será que estão em uma reunião de emergência?
Se for isso, o tema deve ser: o que fazer com o impostor do herói.
Olhei para a janela.
Fugir por ali seria impossível.
Parecia o terceiro andar. Se eu pulasse, no máximo escaparia vivo com as pernas viradas em purê e aí seria pego rastejando pelos corredores.
— E se eu tentar sair pela porta...?
Engoli seco.
Tentei traçar uma rota de fuga mentalmente, mas nem sequer sabia o layout do castelo.
E lutar seria suicídio: eu estava usando roupas simples de linho e um colete de couro barato.
Nível 1. Sem habilidades.
— Quer saber? Vou dormir. Dizem que a sorte sorri pra quem espera.
Vai que tudo isso é só um sonho ruim.
Com esse pensamento e uma ponta de esperança —, enfiei-me debaixo do cobertor e fechei os olhos.
Cerca de três horas depois.
— Tá de sacanagem, quem consegue dormir numa situação dessas?!
Sério, só um sociopata conseguiria.
Rolei na cama por horas, e agora a luz alaranjada do entardecer já entrava pela janela.
Soltei mais um suspiro perdi a conta de quantos.
Levantei e comecei a andar em círculos pelo quarto.
O som dos meus passos ecoava suavemente.
Tentei fazer alguns agachamentos. Resultado: só cansei.
Preciso falar com alguém.
Ainda não estou com vontade de ir ao banheiro, mas posso usar isso como desculpa pra tocar o sino.
Estendi a mão...
E então toc, toc.
Batidas na porta.
Levei um susto, mas respirei fundo e respondi com a voz firme:
— Pode entrar.
A voz do outro lado respondeu:
— Perdoe a demora, S.R.-sama. Se já estiver se sentindo melhor, Sua Majestade o aguarda.
Se fosse a primeira vez que ouvisse aquele tom cortês, talvez soasse respeitoso.
Mas agora, aquelas palavras soaram como...
Uma sentença de morte.